Santa Rita: Um coração amoroso e sofredor
A vida de qualquer um dos santos da Igreja e, em especial, de Santa Rita que ora se celebra a sua viva memória, desperta em nós um secreto fascínio. E, por que é assim? Porque todos nós sabemos que os santos representam o que há de melhor na humanidade. Por isso, cabe o questionamento: que fascínio Santa Rita de Cássia desperta em nós?
Por isso convém refletir sobre a vida de Santa Rita de Cássia, sobretudo naquilo que salta aos olhos, ou seja, sobre a profundidade do seu coração amoroso, paciente, humilde e sofredor.
Como se sabe Rita, antes de ser freira era uma mulher casada e mãe de dois filhos gêmeos. O seu marido era um homem de uma família poderosa de Cássia. Sua índole era ambiciosa e sanguinária. Diferentemente de Rita que era meiga e bondosa. Seus filhos herdaram o sangue quente do pai. Em uma emboscada o marido de Rita fora assassinado. Os filhos juraram vingança aos assassinos de seu pai. Mas, não obtiveram êxito, pois morreram antes.
Com toda certeza as perguntas que Rita fizera a Deus naquele momento foram estas: Senhor o que mais quer de mim? Por que tirou tudo de mim? Abandonaste-me justo agora?
Rita, então, neste momento da vida era mulher experimentada no sofrimento. No auge do sofrimento extremado ela se desesperou. Perdeu o eixo da vida. Ficou sem rumo. Por isso, decide se enfurnar no convento, mas a madre a proibi dizendo que uma decisão tomada no desespero é como uma árvore que perdeu seu vigor e não mais poderá produzir fruto.
Ou seja, dentro do coração de Rita se travou um duro combate entre o ódio e o perdão, a vingança e a reconciliação, o desespero e a esperança. Com isto quero dizer que aquilo que vemos como sendo amor, paciência, humildade fora gestado no sofrimento.
Come efeito, o que marca a condição humana é a busca de superação dos seus próprios limites que possam redimensionar a precariedade da vida. E Rita estava profundamente marcada pelo sofrimento. Daí a necessidade de reorientar a sua vida.
Tomemos como pedra de toque para esta reorientação dada por Rita à sua vida aquilo que o evangelista Mateus nos ensina no sermão da montanha. Claro que não na sua globalidade, mas apenas em seu sentido mais originário, ou seja, o sermão da montanha nada mais é do que a síntese da ‘justiça superior’ a qual deve almejar os discípulos de Jesus cujo exemplo último é a perfeição do Pai: sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito.
A justiça ‘superior’ alcançada por Rita dentro e a partir do sofrimento foi um coração amoroso, humilde e paciente.
Comecemos pela humildade ou felizes os pobres no espírito. A humildade é uma virtude humilde. Tão humilde que chega a duvidar ser humildade o seu agir. Há uma verdade que se entranha na virtude da humildade. Pois, sabemos que quem se gaba de ser humilde, deixa de sê-lo imediatamente. Por isso, a humildade é uma virtude humilde.
O que seria uma pessoa humilde? Ora, humilde é aquela pessoa que sabe que não sabe de tudo; humilde é aquela pessoa que sabe que não poderá saber de tudo aquilo que é sabido; humilde é aquela pessoa que sabe que outros sabem aquilo que ela ignora (M. Cortella). Por fim, humilde, é aquela pessoa que sabe que tudo o que possuí vem de Deus. E quando isto sabemos, sabemos a vontade de Deus. Eis o que é uma pessoa humilde. Por isso, não é de se estranhar que a humildade é a condição de recebimento dos desígnios de Deus. Com efeito, os segredos do evangelho são revelados aos humildes e aos pequenos, aos pobres em espírito.
Passemos ao coração amoroso ou felizes os puros de coração. Nós estamos acostumados a identificar o coração com o sentimento e as emoções. É a nossa maneira de interpretar este símbolo. No entanto, a expressão bíblica para esta realidade é entranhas, vísceras e não coração. Coração, na verdade, quer indicar a interioridade, a inteligência, o pensamento. Por isso, convém tomar por ideia fundamental a noção segundo a qual o coração é o centro do qual irradia a decisão última e definitiva da pessoa. Nesse sentido, então, o coração define quem a pessoa é. Dizer, com efeito, que o coração é amoroso, significa dizer, que o amor define a existência de uma pessoa. Logo, Santa Rita de Cássia reorientou a sua vida segundo a caridade: segundo uma firme decisão da razão.
E, por fim, ao sofrimento ou felizes o que sofrem a perseguição. Aqui chegamos ao limiar da vida de Santa Rita ou de qualquer santo da Igreja. Pois, como dissemos acima, a vida deles nos causa fascínio - o que não é diferente em relação à vida de Santa Rita, a qual também causa em nos este secreto fascínio. Aqui, mais do que em qualquer outra dimensão da vida dela somos lançados para dentro do fascínio porque não é tanto o modo como santa Rita fala do sofrimento, mas sim como o sofrimento de Santa Rita ‘fala’ de Deus.
Há um olhar sobre o sofrimento humano que convém afastar da nossa compreensão e este diz respeito ao entendimento do sofrimento como uma ação compensatória de mérito ou de demérito. Na primeira, a pessoa é compensada por Deus porque suportou pacientemente muitos sofrimentos. A segunda, ou seja, a de demérito a pessoa é castigada por Deus seja nesta vida seja além dela porque muito pecou. Nenhuma das duas formas ‘fala’ de Deus, antes, provocam aquilo que se denuncia como o silêncio de Deus. Porque no fundo de ambas as perspectivas estão pressupostos duas ideias: todo tipo de sofrimento humano é dado por Deus ou pelos menos permitido por Deus.
Nesta forma de compreender o sofrimento se enquadrava santa Rita logo após a perda do marido e dos filhos. Ou seja, aqui ela falava a Deus a partir do seu sofrimento. Ainda não tinha entrado na esfera das bem-aventuranças do evangelho na qual o sofrimento humano fala de Deus. Por isso, felizes os que sofrem a perseguição! Deus não está fora e sim dentro do sofrimento humano. A dor da criança que sofre é a dor de Deus no mundo! E quando se entende esta lógica não é o seu sofrimento que fala a Deus, mas é o modo como, no seu sofrimento, Deus fala. E tanto isto é verdade que Deus não quis resolver o problema do sofrimento milagrosamente - magicamente- retirando seu Filho da cruz, mas sim quis redimir de dentro dizendo-nos: ‘Eu não estou longe, mas dentro do seu sofrimento tal qual do meu Filho’.
Perguntava no início sobre o fascínio que a vida de Rita poderia nos causar, sobretudo, neste enquadramento da humildade, da paciência e do sofrimento. Penso que esteja no seguinte: se você ouvir o chamado do Espírito atenda-o e procura ser humilde, paciente e amoroso de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças; se, porém, a humana fraqueza o impedir por causa da vaidade de sua vida procure, então, ser bom com toda a tua alma, de todo o teu coração e com todas as tuas forças; se, porém, sentires medo ou vergonha de ser paciente seja razoável de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças; se, porém, não conseguir ser humilde, nem bom e nem razoável procure carregar este peso diante de Deus. E se isto fizer será humilde, bom, razoável e entenderás o porquê santa Rita provocou em você um certo fascínio a ponto celebrar a sua vida.