Missão franciscana e povos indígenas
“E o próprio Senhor me conduziu entre eles e fiz misericórdia com eles”
(São Francisco de Assis)
São Francisco, em seu testamento, diz que sua conversão aconteceu com a presença junto aos leprosos fazendo misericórdia com eles. Esses fatos e essas pessoas marcaram a vocação do Pobrezinho de Assis que fez seu encontro com o Senhor ao encontrar os pobres leprosos.
Cada franciscano deve se perguntar: Quando e através de quem pude fazer meu encontro fundamental com o Cristo e, assim, mudou minha vida e disse sim à vocação?
Minha caminhada vocacional teve um momento marcante e que a resposta ao chamado de Deus pode se estabelecer de forma mais decidida e acertada. Esse encontro com o Cristo pobre, humilde e crucificado se deu no encontro com os povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul, em especial, com o povo Terena, povo do pantanal.
No ano de 2013 reunimos alguns religiosos e formamos um grupo de trabalho com as juventudes. Com o apelo das Irmãs Lauritas focamos o nosso trabalho junto aos jovens indígenas nas aldeias Tereré (Sidrolândia/MS) e Buriti (Dois Irmãos do Buriti/MS).
Íamos com o intuito de estarmos junto aos jovens e as comunidades. Isso marcou nossa presença: estávamos como aprendizes e não como mestres. Os jovens, os anciãos, as crianças, as lideranças, os estudantes e professores muito nos ensinaram. As aldeias se tornaram escola das coisas de Deus e do ser humano, escola de cultura, de diferenças, de respeito.
Com o povo Terena, povo de “Grande Coração”, como costumo chamá-los, fui me tornando cada vez mais um amante das causas indígenas e me fez um apoiador dos múltiplos movimentos indígenas que buscam a dignidade e seus diversos direitos.
Como adesão às causas dos povos indígenas e como resposta vocacional fiz minha consagração perpétua numa aldeia do Povo Terena, Aldeia Tereré. Esta que foi primeira aldeia que conheci, onde posso me sentir como parte daquele povo que a alguns anos me acolheram como irmão e filho. Por isso, no dia 29 de julho de 2017, dia de Santa Marta, com pinturas, rituais, danças sagradas, adornos como cocares e colares celebramos a eucaristia e me consagrei a Deus naquela terra sagrada.
O ser capuchinho na itinerância, austeridade, contemplação, com espírito de constante reforma e sempre na proximidade com o povo de Deus, especialmente os mais pobres e marginalizados pude encontrar junto aos povos indígenas. Todas as vezes que estou nas áreas indígenas ou junto de um meu irmão ou irmã fortaleço a minha consagração a Deus e me entusiasmo pela missão.
Cada situação, fato e presença é capaz de me encantar novamente. Ao longo desses sete anos de convivência fecunda pude me tornar um pouco mais franciscano capuchinho e aprendi com os Terena algumas características desse povo, entre elas: a pessoalidade na coletividade com forte espírito fraterno; a conexão e interrelação com a natureza e os seres materiais e espirituais; o não acúmulo, mas somente a preocupação com o essencial da vida e para a vida perpassado pela simplicidade; o forte acento no simbólico através de adornos, pinturas, animais, relações etc. capazes de transpassar o tempo; a sacralidade do lúdico das danças e rituais que expressam a visão de mundo e perpetua as cosmovisões; a “ingenuidade” das ações capazes de leveza de vida; o respeito intergeracional que valoriza o mundo da criança, do jovem, do adulto e dos anciãos; a acolhida na gratidão como expressão da solidariedade; o respeito pelos sábios e lideranças; a capacidade de no caos encontrar a harmonia.
Tudo isso pude aprender a partir do espírito de abertura ao outro e com a gratuidade que são as necessárias disposições para a vivência da missão franciscana capuchinha. Por isso, sempre meu agradecimento à ordem capuchinha e ao povo Terena por todas as experiências frutuosas nessa missão.