Os leprosos na vida de Francisco e na nossa
Na relação com os leprosos podemos observar a profunda ligação de Francisco com o Senhor, pois o cuidado para com os leprosos é parte essencial de sua missão. Segundo Mateus 8,1-3 o leproso é o primeiro curado na missão de Jesus “Quando Jesus desceu da montanha (das Bem aventuranças), seguiram-no grandes multidões. Eis que um leproso aproximou-se e prostrando-se diante dele disse: Senhor, se queres, podes purificar-me. Ele estendendo a mão, tocou nele e disse: Quero, sê purificado. No mesmo instante ele ficou purificado de sua lepra”. Ocupar-se de leprosos e curá-los era sinal de que o Reino de Deus havia chagado. Segundo Lucas a cura do leproso é o primeiro ato depois do chamado dos primeiros discípulos (Lc 5,12-16). É disto que os discípulos precisam se ocupar.
O encontro de Francisco com o leproso é um divisor de águas em sua vida. Francisco antes do encontro com o leproso é um, depois do encontro é outro. Há nisso uma conversão, uma profunda mudança de atitude e de paradigma. Por isso o acontecimento é narrado nada menos que sete vezes (Tes 1-3; 1 Cel 17,4; 2 Cel 9,9-11; LM 1,5,2-3; 1,6,3-4; 2,6,5; LTC 11,4-5.7), seguido da insistência, 14 vezes, de se ocupar e morar com leprosos. Isto evidencia a importância que ele tem na vida do Poverello e consequentemente na vida dos irmãos desta Fraternidade. Eis os textos que falam de sua conversão aos leprosos, que, por sua vez, prova a conversão dele a Cristo. A conversão aos leprosos é, na verdade, a fraternidade com os últimos.
Francisco mesmo começa seu Testamento assim: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois demorei só bem pouco e saí do mundo” (Test 1-3).
Frei Tomas de Celano, que escreveu em a primeira Vida de São Francisco a pedido do papa Gregório IX e apresentou à ele dia 25 de fevereiro de 1229, assim descreve o beijo ao leproso: “Em seguida, o santo amante de toda a humildade transferiu-se para junto dos leprosos e permanecia com eles, servindo com o maior cuidado a todos eles por amor a Deus e, lavando deles toda a podridão, limpava também a secreção purulenta das úlceras, como ele próprio fala em seu Testamento, dizendo: “Por que, como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos, e o Senhor conduziu-me entre eles, e fiz misericórdia com eles”. Pois, como ele dizia, antigamente era-lhe tão amargo ver leprosos que, quando no tempo de sua vaidade via a casa deles a uma distancia de quase duas milhas, tapava o nariz com suas próprias mãos. Mas, como pela graça e virtude do Altíssimo começasse a pensar coisas santas e úteis, vivendo ainda no hábito secular, num certo dia encontrou um leproso e, superando-se a si mesmo, aproximou-se e beijou-o. E, a partir de então começou a desprezar-se mais e mais até chegar, pela misericórdia do redentor, à perfeita vitória sobre si mesmo” (1 Cl 17,1-5).
Ainda Frei Tomas de Celano que agora escreve a Segunda Vida de São Francisco a pedido do Ministro Geral Frei Inocêncio Grizzi de Iesi por mandado do capítulo geral de 1244, tem uma nova versão. Recolhido material de muitos frades coube a Tomas compor o texto. Nesta obra ele descreveu assim o beijo ao leproso: Disse-lhe Deus em espírito: “Francisco, se queres conhecer-me, troca as coisas carnais e amadas com vaidade pelas espirituais e, tomando as amargas como doces, despreza-te a ti mesmo; pois, as coisas que te digo terão sabor na ordem inversa”. Imediatamente, ele se propõe a obedecer às ordens divinas e é levado a fazer a experiência disto. Pois, Francisco que tinha entre todas as infelizes desgraças do mundo uma aversão natural pelos leprosos, num certo dia encontrou um leproso, quando cavalgava perto de Assis. Embora este lhe causasse não pouco incômodo e horror, no entanto, para não quebrar como transgressor o juramento feito, saltando do cavalo, correu beijá-lo. Quando o leproso lhe estendeu a mão como que para receber alguma coisa, ele colocou o dinheiro com um beijo. E, montando imediatamente no cavalo e voltando-se para cá e para lá, não viu mais aquele leproso, ainda que o campo fosse aberto em todas as direções, sem interposição de qualquer obstáculo (2 Cl 9,7-12).
São Boaventura eleito ministro geral da Ordem em 1257 no capitulo de Roma encarregou-se de escrever uma nova Vida de São Francisco e em 1263, no capitulo de Pisa apresentou a Ordem a Legenda Maior que descreve o beijo ao leproso deste modo: “E assim, num determinado dia, enquanto cavalgava pela planície que se estende aos pés de Assis, encontrou um leproso cujo inesperado encontro lhe incutiu um pequeno horror. Lembrando-se, porém, do propósito da perfeição já concebida na mente e recordando-se que devia primeiramente convencer-se a si mesmo, se quisesse tornar-se cavaleiro de Cristo, saltando do cavalo, correu a beijá-lo. E como o leproso lhe estendesse a mão como que para receber alguma coisa, ele depositou uma moeda, com um beijo. E subiu imediatamente no cavalo e voltando-se para todos os lados em redor, não viu absolutamente aquele leproso” (LM I.5,1-4).
A Legenda dos Três Companheiros (Fr. Leão, Ângelo e Rufino 11 de junho de 1246 em Greccio?) de autoria desconhecida, também com de data polemica (1246? 1290? 1310?) conta o beijo ao leproso da seguinte forma: Certo dia, quando rezava fervorosamente ao Senhor, foi-lhe dada a resposta: “Francisco, se queres conhecer a minha vontade, é necessário que desprezes e odeies tudo o que amaste carnalmente e desejaste ter. Depois de começares a fazer isto, as coisas que antes te pareciam suaves e doces serão para ti insuportáveis e amargas, e naquelas coisas que antes te causavam horror haurirás grande doçura e imensa suavidade” (LTC 11,4-7).
“Alegrando-se nestas palavras e confortado no Senhor, ao cavalgar nas cercanias e Assis, encontrou um leproso. E porque se acostumara a ter muito horror de leprosos, fazendo violência a si mesmo, desceu do cavalo e ofereceu-lhe uma moeda, beijando-lhe a mão. E, depois de ter recebido do mesmo o ósculo da paz, montou novamente em seu cavalo e prosseguiu seu caminho. A partir de então, começou cada vez mais a desprezar a si mesmo até chegar de maneira perfeita, pela graça de Deus, à vitória sobre si mesmo. Depois de poucos dias, tomando muito dinheiro, dirigiu-se ao hospital dos leprosos e, reunindo todos juntos, deu esmola a cada um beijando-lhes as mãos” (LTC 11,4-7).
A insistência sobre o serviço e o cuidado dos leprosos, podemos apreciar agora, nos 14 textos seguintes.
Os cinco primeiros textos são de autoria do próprio Francisco. “Todos os irmãos esforcem-se por seguir a humildade e a pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo... E devem se alegrar quando convivem entre pessoas insignificantes e desprezadas, entre os pobres, fracos, enfermos, leprosos e os que mendigam pela rua” (1 Fr 74). “E devem alegrar-se quando convivem entre pessoas insignificantes e desprezadas, entre os pobres, fracos, enfermos, leprosos e os que mendigam pela rua” (RnB 9,2). “Francisco permitia que os irmãos pedissem esmola para os leprosos em grande necessidade, mas de tal modo que se precavessem muito contra o dinheiro” (2 Fr 17). “No entanto, os irmãos, em manifesta necessidade dos leprosos, podem pedir esmolas para eles. Cuidem-se, no entanto, muito do dinheiro” (RnB 8,10-11). “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois demorei só bem pouco e saí do mundo” (Test 1-3).
Os outros nove, nos vem por intermédio de seus biógrafos. “Em seguida, o santo amante de toda a humildade transferiu-se para junto dos leprosos e permanecia com eles, servindo com o maior cuidado a todos eles por amor a Deus e, lavando deles toda a podridão, limpava também a secreção purulenta das úlceras” (1 Cel 17,1). “Durante o dia, os que sabiam trabalhar com as próprias mãos, permanecendo nas casas dos leprosos ou em outros lugares honestos serviam a todos com humildade e devoção” (1 Cel 39,10). “Queria voltar a servir os leprosos e ser desprezado, como antigamente” (1 Cel 103,8).
“Francisco que tinha entre todas as infelizes desgraças do mundo uma aversão natural pelos leprosos, num certo dia encontrou um leproso, quando cavalgava perto de Assis. Embora este lhe causasse não pouco incômodo e horror, no entanto, para não quebrar como transgressor o juramento feito, saltando do cavalo, correu beijá-lo. Quando o leproso lhe estendeu a mão como que para receber alguma coisa, ele colocou o dinheiro com um beijo. E, montando imediatamente no cavalo e voltando-se para cá e para lá, não viu mais aquele leproso, ainda que o campo fosse aberto em todas as direções, sem interposição de qualquer obstáculo” (2 Cl 9,9-12).
“Pois, como antes tivesse intenso horror não só da presença dos leprosos, mas até mesmo de vê-los de longe, já por causa do Cristo Crucificado, que segundo a palavra do profeta apareceu desprezível como um leproso (Is 53,4), para desprezar plenamente a si próprio, prestava com benéfica piedade serviços de humildade e humanidade aos leprosos” (LM 1,6,2). “A partir de então, o amante de toda humildade transferiu-se para junto dos leprosos e permanecia com eles, servindo com muito diligencia a todos por amor de Deus. Lavava lhes os pés, enfaixava as feridas, retirava a podridão das chagas e enxugava o sangue purulento, aquele que em breve haveria de ser o médico do Evangelho beijava também, por admirável devoção, as chagas ulcerosas deles” (LM 2,6,3-5). “Abrasava-se também de grande desejo de voltar aos primórdios da humildade para servir aos leprosos com no princípio, e de chamar de novo, o corpo já combalido à primeira servidão” (LM 14,1,4).
“Depois que começaram a multiplicar-se os irmãos, quis que os irmãos permanecessem nos hospitais dos leprosos para servi-los, porque, naquele tempo em que chegavam à religião nobres e plebeus, entre outras coisas que lhes eram anunciadas, se lhes dizia que era necessário servir os leprosos e permanecer nas casas deles” (CA 9,2-3).
Pela máxima humildade “Por isso, no começo da Ordem, quis que os frades morassem nos hospitais dos leprosos para servi-los e ali pusessem o fundamento da santa humildade. Pois, quando entravam na Ordem nobres e plebeus, entre outras coisas que lhes eram anunciadas, dizia-se que era necessário servir humildemente os leprosos e morar em suas casas, como consta na primeira Regra” 2 EP 44,3-4).
Com certeza não podemos descurar a centralidade da intenção de Francisco também para os nossos dias. Hoje já não são muitos os acometidos pela doença da hanseníase física, mas tem aumentado em muito a hanseníase afetiva e espiritual da humanidade. Tomemos a sério esta orientação e vejamos se estamos, de fato, no lugar em que nosso pai Francisco queria que estivéssemos? Onde estão e quem são os leprosos (descartados, a ralé, os deserdados da humanidade) de hoje? Como os vemos e o que fazemos com eles e por eles?
Segundo Francisco o que o levava ter nojo dos leprosos e dificultava a relação com eles era o pecado que habitava em seu próprio coração. E você, a que debita suas dificuldades nessa relação?
Na experiência de Francisco a convivência e o serviço aos pobres são indispensáveis para o exercício da humildade, da fraternidade e da espiritualidade cristã. Que valor damos hoje, para ela, em nossos processos formativos?