Gaurama - RS
“Creio na vida. A vida é mais forte que a morte... a fé na vida se torna a força da caminhada. Creio que a morte não é o fim da vida, nem o fim de tudo, mas que a vida deste universo continua, e continua em mim numa transformação total... Creio em mim. Dentro de mim há possibilidade de vida total... Creio, acima de tudo, em Deus. Num Deus que é criador, pai, amigo, proteção”.
Registro
Aos 72 anos de idade, 51 de vida religiosa capuchinha e 42 de sacerdote faleceu Frei Wilson João Sperandio às 17 horas do dia 3 de julho, no Hospital Saúde, em Caxias do Sul, vitimado por câncer.
O corpo foi na igreja matriz São Luiz Gonzaga, em Veranópolis desde a noite do sábado 3. A missa de corpo presente no domingo, 4, às 15 horas, também matriz São Luiz Gonzaga, e o sepultado no jazigo dos Freis, no Cemitério Municipal de Veranópolis.
Informações pessoais
No primeiro semestre de 2009 fez duas cirurgias para retirada de pólipos e nódulos na área abdominal e axilar, sendo que na segunda houve a identificação de melanoma. Seguiu-se uma longa série de quimioterapias para conter o câncer; com postura otimista, reagiu bem em alguns momentos, mas debilitou-se fortemente em outros. Após idas e vindas entre Veranópolis e Caxias, no início de junho de 2010 decidiu retornar à Casa de Saúde São Frei Pio, em Caxias do Sul, onde permaneceu até a última hospitalização.
“Importante é fazer a última coisa como se fosse a última mesmo. Assim eu penso. Se tiver que morrer, era isso que fiz até agora que devia fazer. O tempo conta muito pouco. Em todos os casos, gostaria de viver mais anos. Quem não gosta!”, escrevia de Medellin, na Colômbia, em 1980, após passar dez dias de absoluta solidão na montanha, a mais de 2400 metros de altitude. E acrescentava: “Uma coisa é certa: a solidão é criativa; obrigatoriamente tem que pensar. E lá pensei coisas. Pensei o que Deus quer de mim, pensei o que eu quero, pensei o que os outros querem...”.
Muito atento aos temas voltados à saúde, alimentação e exercícios, Frei Wilson João tinha uma vida metódica, alimentava-se de uma forma bastante natural, fazia caminhadas e buscava sempre um equilíbrio nas dimensões do físico, do emocional e do espiritual. “O que estraga a vida devemos desprezar... A saúde é um estilo de vida. Temos que nos libertar da pressão social. Novo jeito de viver implica selecionar só o que ajuda”, dizia e escreveu.
Frei Wilson João Sperandio nasceu em Gaurama, em 10 de julho de 1938. Era filho de Francisco Sperandio, natural da Itália, e de Santina Orso Sperandio. Ingressou no Seminário em 1953, tendo estudado em Vila Flores, Veranópolis, Ipê e Marau. Vestiu o hábito capuchinho em 1958, quando iniciou o ano de noviciado, em Garibaldi. Fez a profissão na Ordem em janeiro de 1959. Licenciou-se em Filosofia em Ijuí e estudou Teologia em Porto Alegre. Foi ordenado sacerdote em Porto Alegre, em dezembro de 1967, na igreja Santo Antônio, no Partenon.
Começou a caminhada pastoral em Soledade, em 1969. Viveu e atuou em Caxias do Sul por 12 anos (1971-1983), onde dedicou-se à pastoral na Paróquia Imaculada Conceição, introduzindo novos conceitos e novas práticas, entre elas, o canto coral e a música instrumental nas celebrações. É dele a criação da missa Maranatha, que ano após ano abrilhanta as festividades da padroeira.
De 1984 a 2005, por 21 anos, viveu na fraternidade São Boaventura de Marau, onde ocupou vários cargos de coordenação fraterna e foi pároco da Paróquia Cristo Rei. Em duas páginas de um relato sob o título “Minha história pessoal” escreveu: “Após organizar a paróquia Cristo Rei, com quase 50 comunidades e 600 grupos eclesiais, sinto isto como a multiplicação de minha vida”. Desde 2006 era o pároco da Paróquia São Luiz Gonzaga, em Veranópolis. Frei Wilson era irmão do capuchinho frei Efraim Sperandio, falecido em 1985 e sepultado em Vila Flores.
Em 1970 estudou pastoral e catequese no Instituto Nacional de Pastoral (CNBB), no Rio de Janeiro; em 1980 fez um curso de Pastoral Fundamental e Social, no Instituto Teológico Pastoral do CELAM, em Medellin, na Colômbia. Também fez cursos na área de parapsicologia pastoral e de liturgia de rádio e televisão.
Pastoral e vida sempre estiveram integrados na vida de Frei Wilson João: gravou vários discos (LPs e CDs), sendo compositor, regente, solista, guitarrista e dono de uma voz privilegiada; constam-se às dúzias suas criações (letras e músicas) para o canto pastoral e litúrgico; escreveu cerca de 30 livros, alguns editados também em espanhol; colaborador de várias publicações de caráter pastoral e colunista em vários jornais, com destaque para o Correio Riograndense.
Dia 12 de junho passado (2010) Frei Wilson João completou 39 anos de presença semanal no Correio Riograndense, assinando a coluna “Novo Jeito de Viver”. “As pessoas precisam parar um pouco, fazer uma revisão”, disse em 2004, quando completava 33 anos de coluna, assinalando para a possível contribuição de suas reflexões à “sociedade estraçalhada” em que vivemos.
Publicados, seus textos “despertam consciências, instigam, contribuem para a formação humana, indicam caminhos, abrem horizontes...”, dizia o jornal numa reportagem de página inteira sobre o autor da coluna que ninguém queria perder nas edições semanais do jornal. Muitos dos seus cerca de 30 livros publicados reúnem textos produzidos para o Correio Riograndense. O jornal era um ângulo de sua história pessoal, do qual se orgulhava. E escreveu: “Se o futuro me aturar, poderei escrever mais, dentro daquilo que ainda sonho realizar”.
Vários de seus discos e livros tinham o enfoque explicitamente franciscano, como “São Francisco que está em você”, de 1978, e “Seguir Jesus do jeito de Francisco”, hoje conteúdo do serviço de animação vocacional dos capuchinhos; O mesmo se diz de sua participação como solista, compositor e regente em “Assim cantam os Capuchinhos” e “Meus Deus e Meu Tudo”, lançamentos históricos dos anos 1960.
Em 1998 a Câmara Municipal de Vereadores de concedeu-lhe o título de Cidadão Marauense. Na ocasião foi saudado pelas lições de sensibilidade espiritual que impulsionaram culturalmente o município, conquistando um lugar privilegiado na história marauense.
Em suas recentes colunas no Correio Riograndense, de forma frequente, passou a sintetizar suas convicções. Em “Motivos para crer” (05.05.2010) disse: “Creio na vida. A vida é mais forte que a morte... a fé na vida se torna a força da caminhada. Creio que a morte não é o fim da vida, nem o fim de tudo, mas que a vida deste universo continua, e continua em mim numa transformação total... Creio em mim. Dentro de mim há possibilidade de vida total... Creio, acima de tudo, em Deus. Num Deus que é criador, pai, amigo, proteção”.