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Frades Capuchinhos participam de seminário no Mato Grosso do Sul

03/09/2018 - 08h57
Seminário: Fraternidade e Superação da Violência contra os Povos Indígenas

Todos os anos a Igreja do Brasil escolhe um tema para a Campanha da Fraternidade (CF). “Fraternidade e Superação da Violência” e “Em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23, 8), foram o tema e o lema escolhidos para 2018.

Esta campanha tem como objetivo geral construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da palavra de Deus, como caminho de superação da violência.

No desejo de realizar esta CF, a Arquidiocese de Campo Grande constituiu vários grupos de trabalho (GTs), com propostas concretas, visando incidir em diversos aspectos da violência, formados com a participação de cidadãos, autoridades, religiosos, acadêmicos, a saber: violência no trânsito, violência contra a pessoa idosa, violência contra a criança e adolescente, suicídio, crime organizado, violência contra a mulher, violência contra os povos indígenas, violência institucional, violência nas escolas, violência racial, violência no campo (11 grupos de trabalho).

O grupo de trabalho superação da violência contra os povos indígenas é formado por diversos grupos aliados a causa indígena: Pastoral Indigenista, Conferência dos Religiosos do Brasil, Conselho Indigenista Missionário, Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas (UCDB), CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos) e CRJP (Comissão Regional de Justiça e Paz).

Seguindo o tema da Campanha da Fraternidade, a Arquidiocese de Campo Grande realizou no dia 28 de agosto de 2018, o Seminário Fraternidade e Superação da Violência contra os Povos Indígenas. O evento ocorreu na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

O objetivo principal do seminário é o de promover uma discussão e encaminhamentos concretos sobre a violência sofrida por esses povos. Dando visibilidade sobre a existência e realidade dos povos indígenas que vivem no Mato Grosso do Sul. Tendo como público alvo: comunidade acadêmica, religiosos e religiosas, indígenas, lideranças pastorais, igrejas cristãs e outras confissões e sociedade em geral.

Em Mato Grosso do Sul se concentra a segunda maior população indígena do país. A realização deste seminário visa buscar formas de superar a violência contra estes povos originários. Juntos e juntas construir caminhos, mas primeiro ouvindo, a partir deles, a realidade de quem são e como estão neste momento.

O professor José Francisco fez as apresentações e saudou os participantes e em seguida enalteceu a presença de representante de sete (7) dos oito (8) povos indígenas existentes no Mato Grosso do Sul, chamando cada povo a se apresentar: Kinikinau, Kadiwéu, Terena, Guató, Atikum, Guarani Ñandeva e Kaiowá, faltando somente o povo Ofaié por não ter conseguido apoio logístico.

Prosseguiu-se com o ritual de abertura realizado pelo povo Kaiowá. Em seguida, o povo Atikum fez uma homenagem ao grande patriarca de seu povo, que este ano deixou esta terra e foi para junto dos encantados: Sr. Aliano José Vicente, entoando uma linha de Toré.

Foram convidados a compor a primeira mesa de discussões Padre João Marcos Araújo Ramos (Pró-Reitor de Pastoral da UCDB) e Irmã Joana Aparecida Ortiz (Religiosa Franciscana Aparecida, membro do Conselho Indigenista Missionário).

Ir. Joana coordenou a mesa, saudando fraternalmente todos os presentes. Disse ser grande a alegria e a responsabilidade de coordenar e participar do evento. Ressaltou que se trata de um dia especial na história da Igreja do MS. Uma oportunidade de dialogar com oito povos indígenas. Conhecer as suas realidades, cultura e demandas e juntos/as como irmãos e irmãs construir caminhos de superação da violência.

Prosseguiu-se com os trabalhos, apresentando a seguinte programação:

Na parte da manhã, das 08h45min às 10h30min, mesa 2: Relatos sobre a realidade dos povos indígenas no MS - Explanado por indígenas e teve como mediador da Mesa, Anderson de Souza Santos (Advogado). Foram os explanadores: Eliseu Lopes, povo Kaiowá, Professora Ana Sueli, povo Terena, Alicinda Tibério, povo Terena. Logo após debate, havendo grande interesse e participação da plateia, com perguntas e narrativas sobre casos pessoais de violação de direitos. O fechamento do evento na parte da manhã se deu com confraternização e almoço no restaurante dentro da universidade.

Na parte da tarde, às 13h, as atividades se reiniciaram, compondo a mesa o Mediador: Frei Klenner Antonio da Silva (Franciscano Capuchinho membro do JPIC da Província do Brasil Central). Apresentou Pe. Justino Sarmento Rezende, do Povo Tuyuka. Este fez uma explanação sobre o Sínodo da Pan Amazônico, sendo atentamente ouvido pela plateia durante o período de aproximadamente uma hora. Das 14h às 16h, foi exibido o documentário Martírio, na presença do diretor Vincent Carelli, que comentou sobre a obra e oportunizou ao público interagirem com perguntas. Foram momentos fortes de denúncia do que não é ficção, mas real que aconteceu e continua acontecendo e que nós como cristãos não podemos permitir. O testemunho do diretor do filme foi impactante. “Chocante é a desigualdade de forças desenvolvidas nestes conflitos”

Após algum tempo de debate, perguntas, afirmações, o mediador da Mesa 4, Frei Rubens Nunes da Mota (Franciscano Capuchinho do Brasil Central coordenador da CRB Regional Campo Grande/MS), apresentou Dra. Neyla Ferreira Mendes, Matias Benno Rempel (Conselho Indigenista Missionário Defensoria Pública) e Dr. Marco Antônio Delfino de Almeida (MPF/Dourados). Estes fizeram considerações para a superação da violência sofrida pelos povos indígenas em Mato Grosso do Sul.

Dra. Neyla Mendes fez alguns apontamentos e saídas de superação da violência se colocando à disposição de atender os casos que chegam até ela.

Dr. Marco Antônio fala da invisibilidade da questão indígena como história. Coloca os indígenas subalternizados, violados pelo processo de invisibilização. Remoções forçadas e escravidão tudo como desconhecimento e isso demonstra invisibilidade, gerando impunidade.

A partir das contribuições, foi elaborada uma carta aberta ao governo e à sociedade.

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Carta dos povos do Mato Grosso do Sul à sociedade:

“Juntos dançamos, juntos rezamos e juntos lutamos”

 

Participando do Seminário “Fraternidade e Superação da Violência contra os Povos Indígenas” realizado pela Arquidiocese de Campo Grande – MS no Grupo de Trabalho Povos Indígenas (Pastoral Indigenista, CRB, UCDB-NEPPI, CIMI, CRJP, CEBI, Projeto Rede de Saberes) e apoiado pela CESE, neste dia 28 de agosto de 2018, na Universidade Católica Dom Bosco em Campo Grande, nós, representantes e lideranças de 7 dos 8 povos indígenas do MS – Guarani e Kaiowa, Terena, Kinikinau, Kadiweu, Guató e Atikum; unidos aos demais povos brasileiros presentes, unimos nossas rezas, cantos, danças, lutas e sonhos para fortalecer nossa resistência e esperança frente ao período de desmontes contra os direitos humanos e indígenas que temos vivido no país.

Neste seminário, encontramos o abraço solidário das Igrejas, das organizações aliadas, dos professores, da universidade, dos movimentos sociais que nos trouxeram a certeza de que não estamos sós nesta busca por paz e dignidade para os povos nativos desta terra.  

     Denunciamos:  

O genocídio que está posto no Mato Grosso do Sul contra cada um de nossos povos, já reconhecido por instâncias internacionais de Direitos Humanos como a ONU e como a OEA, mas que não só é mantido a vistas grossas pelo Estado Brasileiro como muitas vezes é organizado e patrocinado por este mesmo Estado.

O Estado opera contra nós de três formas:

Primeiro: com negligência frente a nossos direitos Constitucionais, Territoriais, Indígenas e humanos fundamentais. Nem mesmo os direitos mais básicos para nossa sobrevivência são garantidos, como por exemplo: possibilidade de água potável, saneamento, alimentação, saúde. Quando não agem com negligência agem com integracionismo – desrespeitando nossas especificidades e buscando com um discurso falso de igualdade desconsiderar nossas diferenças.

Segundo: operando ferramentas de massacre contra nossos direitos constitucionais. Os ataques vêm dos três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Marco Temporal, Parecer 001, PEC 215, PL 490, PL 6818 são exemplos fortes de mecanismos que visam rasgar nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, fazer retroceder as conquistas que garantimos com muito sangue e luta e ainda garantir aos setores do agronegócio e das empresas a continuidade do saque e exploração dos nossos territórios tradicionais.  Nas bases o Estado através do sucateamento da FUNAI paralisa as demarcações e nos destina a uma vida de acampamentos nos fundos de fazendas ou na beira das rodovias onde nossos vizinhos mais próximos são sempre o medo e a morte.

Terceiro: através do Massacre Físico, colocando as forças de segurança pública e o sistema jurídico a serviço do agronegócio, dos sindicatos rurais, dos setores privados, organizando, e até mesmo participando de ataques contra nossas comunidades.

Desta forma dizemos com tristeza que nosso horizonte e nosso futuro parecem guardar ainda muita luta, muita dor e muito sofrimento. Até que não se mude este cenário será o sangue indígena que continuará a regar a cana, a soja, o milho, toda esta monocultura que gera mais fome do que comida. Enquanto sobre os nossos territórios os exploradores enriquecem, nossas mulheres e nossas crianças continuam sem possibilidade de futuro.  

Este desmonte de direitos tem causado muita dor em nós povos indígenas do Mato Grosso do Sul, a não garantia de nossos territórios tem obrigado muitos de nós a migrarem para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Alguns podem até pensar que estamos na cidade por que queremos ser melhores, mas na verdade o que nos leva a esta realidade é a necessidade de nossos filhos e anciões por políticas públicas como educação e saúde. Na cidade a vida não é nada confortável, somos tratados sem nem um respeito às especificidades de cada povo que vive aqui, infelizmente é o que nos tem restado como alternativa.

Junto aos nossos Irmãos Atikum exigimos que o Estado do MS honre o compromisso da garantia de uma terra que lhes permita viver como Atikum. Nós os povos originários do MS os acolhemos e consideramos dentro da diversidade étnica de nosso Estado.   

Entre nós, queremos destacar com solidariedade a situação do povo Kinikinau que por conta da ação criminosa do Estado, teve todas as suas terras roubadas e sua identidade étnica e cultural negada. Por mais de 100 anos foram forçados a viverem como estranhos em terras “emprestadas” e isso não aceitaremos mais. Exigimos o imediato reconhecimento e devolução dos territórios Kinikinau para que este valioso povo possa recompor sua vida. Nas palavras de Zeferina Roberto, anciã do povo Kinikinau: “Somos como vasos que guardam as sementes do nosso povo para serem plantadas na nossa terra tradicional”.

Todos nós somos sementes, inclusive aqueles que a terra já cobriu, como Clodiodi Aquileu, Simeão vilhalva e tantos que como Marçal deram a própria vida para que nós pudéssemos viver. Neste sentido exigimos o fim do massacre sobre os Guarani e Kaiowa.

Exigimos também o imediato abandono e arquivamento das teses genocidas do Marco Temporal e do Parecer 001 que querem anular a existência das terras de Guyraroka do povo Kaiowa e Limão Verde do povo Terena, bem como ameaçam todas as terras indígenas no MS.   

A vocês da sociedade que estão lendo esta carta, pedimos que reconheçam as nossas lutas e ajudem a proteger nossos territórios que garantirá não só o futuro de nossas crianças, mas sim o futuro da própria humanidade e da nossa casa comum, a mãe natureza. Somos nós a própria Terra.

Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB

Por Frei Klenner Antonio da Silva (Fraternidade Santo Antônio - Goiânia-GO)

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