1ª LEITURA: Isaías 52, 13-53, 12
SALMO: 30 (31)
2ª LEITURA: Hebreus 4, 14-16; 5, 7-9
EVANGELHO: João 18, 1-19, 42
Querida Fraternidade reunida, amado povo de Deus, irmãos e irmãs das Igrejas Domésticas que nos acompanham nas Redes Sociais, paz e bem!
“Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (João 12, 32), diz Jesus segundo as palavras do Evangelista São João. Na liturgia dessa sexta-feira da Paixão do Senhor, marcada pelo despojamento, pela simplicidade e pela sobriedade, somos convidados a refletir sobre o significado mais profundo do que é a fidelidade ao Pai, à humanidade e a si mesmo. Estamos diante da Crucificação, momento ápice da vida de Jesus e da espiritualidade cristã, cena amplamente narrada e retratada na literatura e na arte ao longo da história. Além disso, a Crucificação, lugar onde contemplamos o Cristo na Cruz, constitui um dos pilares mais importantes da Espiritualidade Franciscana, junto à Encarnação e sua representação no Presépio e o Cristo presente na Eucaristia, realidades essenciais que Francisco, nosso irmão, nos ensinou a amar, viver e pregar.
Buscando meditar sobre a entrega de Jesus na cruz e sobre nossa correspondência amorosa a tão precioso dom adentramos à Liturgia da Palavra. A 1ª LEITURA de Isaías – 52, 13-53, 12 – nos fala dos sofrimentos do Servo Inocente e de sua redenção. Os sofrimentos enfrentados pelo Servo, e aplicados a Jesus, não são de vontade divina, mas consequência da fidelidade ao projeto de amor do Pai para com a humanidade. Essa fidelidade é o motivo de nossa salvação! Ser fiel dói, deixa feridas, causa marcas: “tão desfigurado ele estava, que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano” (Isaías 52, 14). Diante dele, dolorido, cheio de feridas, marcado, “reis se manterão em silêncio” (Isaías 52, 15). Tal é o silêncio da confissão de culpa daqueles que, cheios de si e empoderados de seus ‘pequenos poderes’, não conseguem entender a ‘lógica do amor e da gratuidade’. Qual palavra poderia ser pronunciada, ouvida, ou gritada diante daquele que “tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores” (Isaías 53, 4)? Conseguimos entender, em chave existencial, que “a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura? (Isaías 53, 5).
Precisamos recuperar, ainda em tempo, o dom da memória agradecida e recordar que em muitos momentos a humanidade, e cada um de nós, “vagávamos como ovelhas desgarradas, cada qual seguindo seu caminho” (Isaías 53, 6), mas que “ninguém se salva sozinho” conforme nos lembrou o Papa Francisco em sua homilia diante da praça de São Pedro completamente vazia, imagem que para sempre ficará em nossas memórias. É chegada a hora de ‘despertar’ para um novo paradigma de humanidade. Essa é a lição principal da primeira leitura na qual lemos o quarto poema do Servo Sofredor, ou por que não da humanidade sofredora? Esse poema quer quebrar a lógica da teologia da retribuição, tão presente no imaginário humano, uma vez que o servo, em tudo inocente, sofre e é condenado, morre e torna a viver, por meio do “braço do Senhor” (Isaías 53, 1). Esse texto, aplicado a Jesus, nos ensina que nossa esperança é alimentada em meio a tantos sofrimentos, furtos de dignidade e provações com tantos nomes e rostos. Em Jesus, Nele e por ele não caminhamos sozinhos, mas como “ovelhas que reconhecem a vós do pastor e o segue” (Cf. João 10, 1-15).
Esse mesmo fio condutor nos leva à 2ª LEITURA do Sermão de Hebreus – 4, 14-16; 5, 7-9 – no qual o autor sagrado escreve aos cristãos tentados ao desânimo e ao perigo da infidelidade da fé, de não mais acreditar que Jesus é o revelador e o portador da salvação amorosa de Deus. Os destinatários do escrito sofriam perseguições por serem cristãos, povoava seus interiores o desejo de retorno às formas já superadas do culto judaico e o afrouxamento diante da demora da salvação final. Inumeráveis vezes nos deixamos seduzir pela orfandade do passado e pelas dores de feridas já não existentes ao invés de agradecermos o presente e a oportunidade termos um pai amoroso e de olharmos as marcas das antigas feridas e nos sentirmos mais fortes. Jesus, abriu-nos o caminho de acesso a Deus, ele é o único Caminho e Mediador entre Deus e a humanidade. Portanto, seu sacerdócio é digno de fé em relação a Deus e Ele mesmo derrama sobre a humanidade inteira a misericórdia de Deus.
O refrão do SALMO 30 (31), que diz “Ó Pai em tuas mãos eu entrego o meu espírito” nos insere na narrativa da Paixão de Jesus no EVANGELHO de João 18, 1-19, 42 e é a última de suas sete palavras. No trecho em destaque se o lermos em chave existencial poderíamos nos identificar com um ou mais dos personagens. Vemos Judas trair Jesus; Pedro o negar; as autoridades judaicas incitarem o povo a gritar a sua Crucificação; Pilatos executar as ordens; os soldados repartirem suas vestes e lançarem a sorte sobre a sua túnica; Maria de Mágdala, Maria, a Mãe de Jesus, e João, o discípulo amado – símbolo da humanidade inteira – sendo fiéis até as últimas consequências; José de Arimateia com seu discipulado às ocultas; ou ainda, Nicodemos que levou perfume para a sepultura de Jesus. À toda sorte de posturas e sentimentos podemos nos identificar de acordo com o vai e vem de nossas contradições e infidelidades. Entretanto, uma só atitude nos conduz à salvação, manter nossa vida encharcada do espírito de Jesus, nosso amado, e assim reconhece-lo, no cotidiano da existência, como o verdadeiro e único Rei, o verdadeiro Cordeiro de Deus e como o doador da vida.
Acessar a narrativa da Paixão de Jesus por meio do Evangelho de João, é um modo privilegiado de adentrar na densidade teológica desse relato. Desse modo, alguns detalhes importantes chamam nossa atenção. O primeiro deles é acerca do julgamento, feito a noite, às escondidas, maldosamente ocultado da luz do dia. O tribunal montado como um verdadeiro palco do jogo de poder das hipocrisias desse mundo, é incapaz de condenar Jesus verdadeiramente pois não é comprometido com a verdade que veio revelar o ‘Filho do Homem’, por isso usa da força e da violência. Assim, Jesus é condenado, por revelar a verdade dos corações. Jesus, portanto, é o verdadeiro e único Rei. Seu trono é a Cruz e em seu Reino ninguém está acima de ninguém, pois é um reino onde há igualdade.
O segundo é sobre a hora de Jesus, a Crucificação. João faz coincidir a hora da morte de Jesus com o momento onde eram imolados os cordeiros para a Páscoa judaica (19,31). Jesus, portanto, é o verdadeiro Cordeiro Pascal, aquele imolado na Cruz, cujo sangue confere vida nova e cujo corpo nutre a nova humanidade. Conclui-se assim a obra amorosa de Deus em favor da humanidade inteira, “tudo está consumado” (19,30a) e Jesus “inclina a cabeça e entrega o espírito” (19,30b).
O terceiro é sobre o enterro de Jesus. O relato do Evangelho, inicia e termina num jardim (18,1; 19,41). No Éden o ser humano não se portou de forma autenticamente humana, rejeitou a vida e escolheu a morte. Agora tem a oportunidade de possuir a vida uma vez que Jesus ensinou como possuí-la, isto é, dando-a gratuitamente em favor do próximo. Jesus, portanto, é o doador da vida. Foi enterrado como se enterrava os reis, ungido com 30 quilos de perfume, teve o corpo preparado como o esposo para a festa de casamento com a humanidade (Cf. Salmo 45, 9).
Oxalá, possamos compreender e viver o sentido real dessa liturgia em nossa vida, na qual Jesus carrega as faltas da humanidade (na 1ª leitura), é o Rei Universal que dá a vida (no Evangelho), e é o único Sacerdote e Mediador entre Deus e a humanidade (na 2ª leitura). Nesse espírito e, mergulhados nesse mistério, nos preparemos para celebrar a Páscoa de Jesus, nossa vida nova! Assim seja! Amém!
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por Adriano César de Oliveira - Postulante 2º Ano.
Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB
Por Frei Douglas Leandro de Oliveira (Cúria MG)