Tamanho do Texto:
A+
A-

Laudato Si, três anos depois

Publicado por Frei José Carlos de Oliveira | 24/05/2018 - 09:05

A mensagem da Laudato Si permanece cada vez mais atual. O documento do Papa Francisco extrapola o âmbito eclesial, pois enfoca uma questão salutar para toda a humanidade: o respeito pela casa comum e o cultivo de relações menos perversas e mais inclusivas e solidárias entre todos os seres.

Esse é um dos pontos nodais da Encíclica, que aponta uma estreita relação entre o modo como tratamos o próximo, principalmente os que são diferentes de nós e o modo como o sistema capitalista e seus próceres endossam as práticas predatórias da natureza.

 

É preciso revigorar a consciência de que somos todos uma mesma família. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença. (LS, 52)

 

Para o desenvolvimento de tal consciência ecológica, insiste o Papa, se faz necessária uma mudança de paradigmas, ou seja, avançar rumo à superação do modelo mecanicista, que embasou o projeto da modernidade e fortalecer o modelo sistêmico, cujo princípio axial gira em torno da seguinte premissa: os seres são interligados pela teia da vida. É o que Fritjof Capra denomina de “ecologia profunda”.

É necessário desaprender a forma dura, mecanicista, cartesiana, linear, tecnocrática, de relações com o ambiente e com as outras formas de vida, para abrir-se e exercitar relações realmente ecológicas, sistêmicas, complexas, cuja imagem é a rede ou a teia regida por princípios de interdependência, interação, reciclagem, parceria, flexibilidade, diversidade. (CAPRA, 2014)

Desastre de MarianaO paradigma mecanicista, que abordou a natureza como res extensa (Descartes), algo inerte, como matéria-prima a ser explorada, como um depósito para os nossos resíduos, não reconhece a reciprocidade vital que entrelaça todos os seres vivos. Tampouco admite que a vida, desde o seu início, há mais de 3 bilhões de anos, não toma conta do planeta pelo combate, mas pela participação solidária, pelo mutualismo e pela sinergia.

 

Na contramão dessa cosmovisão ecocida, é possível notar uma mobilização global de movimentos multilaterais em torno da implementação do paradigma sistêmico, sobretudo através da “ecoalfabetização ecológica”. A Laudato Si apresenta um importante instrumento pedagógico para a desconstrução do paradigma mecanicista ainda vigente, razão última da atual sociedade tecnocrática.

O imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência...podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro de um lúcido domínio de si (LS 105).

O debate aberto, a discussão sensata, os diálogos entre os diferentes atores, as iniciativas no âmbito e macro, a escuta dos saberes tradicionais (Reis da Silva, 2015) são possibilidades que encontram na Laudato Si um manancial de inspiração para a construção de novos céus e uma nova relação com a Terra, matriz geracional de todos os seres, Pachamama, como a chamam, carinhosamente, os povos andinos.

Pachamama é cálida, suscita reciprocidade, infunde sabedoria, oferece sinais, faz advertências. Pachamama sustenta um bem viver a partir de um diálogo fecundo entre seres humanos e o entorno natural e cultural. Sua presença não se reduz à rituais, normas e conceitos ilustrados. Pachamama é vida. (Diego Irarrazaval, 2005)

 

Que a ideologia do progresso infinito não continue a justificar a agenda neoliberal que defende o desenvolvimento econômico sobreposto ao social, lucro total, degradação ambiental e a razão instrumental. Que ao progresso se sobreponha o bem comum, a ética da alteridade e a integridade do planeta.

Sobre o autor
Frei José Carlos de Oliveira

Franciscano Capuchinho de São Paulo