Domingo, 19 de agosto, se celebra a vida do artista de teatro. A data pouco conhecida e divulgada, reflexo da injusta relação da sociedade com as artes, é dedicada àqueles que nos fazem embarcar em um mundo de infinitas possibilidades, os dramaturgos, diretores, técnicos ou atores.
Talvez para o senso comum pode ser que entre teatro e religião não haja relação alguma, porém, o campo de artes cênicas esteve desde a sua origem ligado à Igreja. Na idade média os textos eram encenados dentro dos templos, geralmente para celebrar os Mistérios, com peças temáticas religiosas.
Com o crescimento do número de expectadores os dramas passaram a ser encenados na parte externa das igrejas, os chamados ‘adros’. O teatro também é usado como instrumento de evangelização, como na catequização dos índios (jesuítas) ou até hoje pelas encenações comumente realizadas por grupos de jovens no Brasil e no mundo.
SEMINÁRIO OU CASA DE ESPETÁCULO?
Os capuchinhos de Trento, após estabilizar a missão em terras paulistanas, trouxeram a devoção à Mãe do Divino Pastor, surgida por inspiração do Frei Salvador de Sevilha e fortemente divulgada pelo beato capuchinho Frei Diogo José de Cádiz, na Espanha, e acolhida por toda Ordem. Todos os sábados, os estudantes do Seminário Seráfico São Fidélis, em Piracicaba, rezavam frente à imagem.
Mais do que uma devoção, os capuchinhos trentinos fundaram na década de 30 uma associação dedicada a Divina Pastora, cujo principal objetivo era difundir o espírito missionário nos frades e enriquecer pela cultura a formação franciscano-capuchinha, através de atividades literárias, musicais, poéticas e TEATRAIS. Segundo o Frei Odair Verussa, que foi um dos diretores desta associação e conclui um livro sobre a história da dos Capuchinhos de São Paulo, o Seminário constantemente recebia textos teatrais produzidos pela editora Vozes ou Salesianas. Os frades ensaiavam com um grupo de seminaristas que variava de acordo com o número de personagens da trama. Eles se apresentavam para convidados em datas festivas, como o dia de São Francisco, por exemplo. Irmãs da Santa Casa de Piracicaba, familiares, a fraternidade local e os próprios seminaristas, que juntos formavam um corpo que variava de 40 a 130 jovens, eram os espectadores e expectadores das montagens.
O ex seminarista Oswaldo Guerra, colaborador da cúria provincial em São Paulo, atuou em algumas peças. Com carinho ele recorda da inesquecível apresentação sobre a queda do Muro de Berlin, onde representou uma velha que tinha dificuldades para pular o muro. Segundo ele, o trabalho era valorizado pelos superiores, que ofereciam um lanche especial e exclusivo para os atores, conhecido como “vaca”. Os demais seminaristas os reconheciam como verdadeiros artistas.
NÃO VALORIZADO POR TER ESCOLHIDO O TEATRO
Frei José Carlos de Oliveira (Zeca) trabalha com artes cênicas há mais de 30 anos e conta que nem sempre foi valorizado pelo trabalho com o teatro. Ele comenta que ao anunciar que iria estudar Comunicação das Artes do Corpo com habilitação em Teatro foi criticado: “alguns irmãos e até no meio familiar questionaram qual seria a utilidade desse curso”. As respostas vieram ao longo da graduação: “me ajudou na comunicação, na liturgia e em agregar os jovens para ensaiar textos teatrais nas fraternidades por onde passei”, comentou.
Em Santo André começou este ano a ensaiar com um grupo da Paróquia Santo Antônio uma peça sobre São Francisco. Leigos da comunidade participam dos ensaios da montagem. Para Bianca Fontana, secretária paroquial e participante dos ensaios, o teatro tem proporcionado aos participantes uma união e desenvoltura, “eu não esperava isso”, disse.
De fato, o teatro nos surpreende. Segundo Frei Zeca, é por isso que os artistas de teatro são objetos de preconceitos, pois, “as artes, sobretudo as que envolvem o corpo, são a reserva de resistência da sociedade, sempre numa postura crítica. O artista acaba indicando outras possibilidades, alternativas e ajuda a construir a utopia de um outro mundo”.
ESMOLER, MISSIONÁRIO E AMANTE DO TEATRO
Na nossa história inúmeros frades estiveram envolvidos com trabalhos artísticos, na área do teatro. É notável recordar Frei Benedito de Campinas. Sendo irmão leigo tinha um destaque especial, pois, além dos serviços que lhe eram próprios (cozinheiro, porteiro, hortelão, esmoler, etc...) se envolvia com pessoas da comunidade ensaiando peças de teatro que ele mesmo escrevia “com constante aprovação dos bispos que costumavam recomendar aos fiéis”, conforme destaca um jornal da época homenageando o frei.
O TRÂNSITO DE SÃO FRANCISCO
É tradição franciscana que ao cair da tarde do dia 3 de outubro se celebre a morte de São Francisco com a cerimônia do trânsito, sua passagem desta vida para o céu. Comunidades franciscanas em todo o estado se envolvem para preparar e acompanhar a emocionante encenação. Penápolis, com a presença dos aspirantes, e Taubaté, com os pós-noviços, são locais onde a tradição anualmente é renovada. Importante nesta celebração é o canto da antífona “Óh alma santíssima” e do Salmo 142 (141).
Teatro tem história, “teatro é entrega, dedicação, humildade, amor, respeito, é magia, energia, é a troca, é o jogo, é o outro, é o conjunto: é um todo¹”. Enfim, vemos nossa vida representada nos palcos: seja aquilo que dói ou que entristece, mas que também alegra e diverte. Faz chorar, faz rir, faz pensar. Teatro é vida e, como dizia Chaplin, “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”. Valorizemos nossos artistas do ontem e do hoje que fazem a magia do teatro acontecer. Homens e mulheres inspiradores, nadando contra a corrente em prol da ARTE!
Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB
Por Paulo Henrique (Assessoria de Comunicação e Imprensa, São Paulo - SP)